#Perfil: Trabalhador vence Metalsa na justiça

Bruno esteve no Sindimovec e aproveitou pra pegar seu exemplar do Jornal Classe T, impresso oficial dos trabalhadores metalúrgicos de Campo Largo e região

Essa história é sobre o Bruno Martins, trabalhador de 37 anos, casado e pai de dois filhos. O que aconteceu com ele é comum no chamado “chão de fábrica”

Tempos difíceis e realidade mais ainda. Trabalhar em uma entidade que defende trabalhadores é desafiante e também nos coloca dentro de histórias muitas vezes desumanas. O fato é que o movimento sindical, após aprovação da reforma trabalhistas, vive um novo tempo quando se fala na intermediação da relação “trabalhador x empresário”. E é importante afirmar que só existem histórias com um final mais justo graças a existência de um Sindicato.

O objetivo desse relato é fazer com que a sociedade compreenda a importância de uma intermediação sindical dentro da luta de classes. As próximas linhas levam o leitor a entender um pouco mais sobre as razões pelas quais não se deve defender o atual texto da reforma trabalhista. Além disso, mostra que a Justiça do Trabalho é protetiva ao trabalhador justamente porque essa disputa é extremamente desigual.

Para não perder o foco, essa história é sobre o Bruno Martins, trabalhador da Metalsa, de 37 anos, casado e pai de dois filhos. Ela também retrata as manobras da empresa para não manter o processo de reabilitação profissional, interrompido, neste caso, de forma ilegal. Algo que desrespeita qualquer princípio do que se entende por solidariedade social.

“O art. 89 da Lei nº 8.213/91 normatiza o processo de reabilitação profissional e social ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente ao trabalho, com o fito de proporcionar-lhe os meios para reeducação e readaptação profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive” – trecho retirado do processo “Bruno Martins x Metalsa”, em que o trabalhador foi defendido pela assessoria jurídica do Sindimovec.

 Vamos aos fatos

A Metalsa é uma montadora mexicana que emprega 120 trabalhadores em Campo Largo – Região Metropolitana de Curitiba. Bruno Martins é um cidadão comum, que entrou na empresa registrado como soldador. Ele começou a trabalhar na multinacional em fevereiro de 2013, com um salário que não chega aos dois mil reais, sendo demitido sem justa causa no mesmo mês, só que em 2017.

Nesse período, o que Bruno passou só ele pode descrever, mas o que se pode relatar é que o trabalhador foi diagnosticado, em março de 2014, com doença valvular aórtica grave e coartação de aorta, com risco de morte, sendo submetido a duas cirurgias que o impossibilitaram de fazer o que antes fazia naturalmente na empresa.

Para entender melhor o que está em jogo nessa história, é bom lembrar que quando o trabalhador da Metalsa, com sérios problemas cardíacos, foi demitido, o mesmo veio ao Sindimovec fazer sua homologação. Nesse momento ele foi alertado que seu desligamento era ilegal e a partir daí o departamento jurídico da entidade foi acionado.

Bruno Martins

Sentei de frente com Bruno pra ouvir sua história. Ele me explicou que desde sempre teve asma e depois sopro; tudo em consequência de uma má formação no coração. “Desde criança nunca fui proibido de fazer nada. Como é uma má formação, só preciso acompanhar. Poderia fazer qualquer coisa, o problema não limita”. Aos 19 anos, Bruno descobriu ser hipertenso: “toquei a vida, isso nunca me impediu de fazer nada. Sempre fui proativo”.

A situação mudou quando num dia normal de trabalho, já na Metalsa, Bruno se sentiu mal. “Achei que era uma gripe. Muita dor de cabeça, tontura, coriza. Aí fui pro ambulatório, mediram minha pressão e me encaminharam pro hospital, pois, segundo o pessoal da enfermagem da empresa, eu estava infartando”. No hospital, ele foi medicado e encaminhado de volta ao trabalho, com a advertência de que precisava de tratamento: “o médico do hospital deixou claro que eu precisava procurar ajuda”.

Depois desse dia, na Metalsa, as coisas mudaram. “Sempre antes de entrar no trabalho, eu precisava medir minha pressão. Cheguei a medir umas três ou quatro vezes na própria empresa.  Eles estavam controlando e dando toda a assessoria neste momento”, revelou Bruno. Mesmo assim ele continuava mal: “todo dia, depois de medirem minha pressão, chamavam um táxi pra eu voltar pra casa ou ir pro hospital. Uma vez eles me dispensaram antes do meio dia, minha pressão estava 24 por 3”.

Bruno fez todos os procedimentos com o plano de saúde da empresa, que só está no acordo coletivo de trabalho graças ao Sindicato de trabalhadores. No Hospital Cardiológico Costantini, em Curitiba, por exemplo, ele tratou pressão e arritmia. “Fiquei quase um mês indo na emergência, fui internado por três dias pra tentar regular minha pressão, mas nada dava certo”, completa.

O trabalhador explica: “meu coração não dava conta de bombear o sangue para o corpo. Além do sangue voltar, o coração inchou. Aí fiz cirurgia. Foram duas. Uma pra corrigir o problema no coração e outra pra tirar água do pulmão”.

O fato é que a doença de Bruno o incapacitou de prosseguir com suas atividades. Em abril de 2014, teve concedido seu pedido de auxílio-doença (Nº 6123097060 – 31), que foi reiterado diversas vezes até a data de 12 de janeiro de 2017, momento em que o INSS negou a renovação do benefício.

Após a negativa, o trabalhador ingressou na 8ª Vara Federal de Curitiba (5040298-24.2015.04.7000/PR), onde foi restabelecido seus direitos. Foi alegado que Bruno seguia em uso de medicamentos e que necessitaria permanecer em repouso a fim de evitar piora na sua saúde.

“Dessa forma, intime-se o INSS (Procuradoria e AADJ), com urgência para que comprove, em 5 (cinco) dias, o restabelecimento do benefício de auxílio doença nº 612.309.706-0 ou a realização de reabilitação prévia à cessação do benefício. Sendo o benefício reativado, deverá a autarquia comprovar, na mesma oportunidade, a disponibilização dos valores atrasados por meio de complemento positivo” – trecho do despacho da 8ª Vara Federal de Curitiba.

O problema é que ao retornar a Metalsa, no dia 13 de janeiro de 2017, Bruno foi demitido de imediato, mesmo estando inapto para realizar suas atividades. Além disso, ele estava com seu contrato de trabalho suspenso, o que caracteriza demissão ilegal e abusiva do trabalhador.

No termo de rescisão de Bruno, o Sindimovec deixou uma observação de que ele estava inapto ao trabalho e não poderia ser demitido. Além disso, tanto o médico particular quanto a médica que atende pela empresa o consideraram inapto ao trabalho.

“Bruno não poderia ser demitido e foi isso que explicamos pra ele, já que o trabalhador estava voltando de um afastamento e havia mostrado pra nós aqui no Sindicato todos os exames e provas”, explica Adriano Carlesso, presidente do Sindimovec.

Demissão: imagine você, depois de passar por duas cirurgias, caminhar pra lá e pra cá com um catatau de exames embaixo do braço, ter laudos médicos comprovando o quadro de debilidade do seu coração, mas aí chega a Metalsa e…

“Eles disseram que estavam encerrando o contrato, pois não tinham onde me colocar pra trabalhar. Isso só acontece no piso de fábrica”, explica Bruno Martins. O presidente do Sindimovec completa enfático: “isso é uma prova de que o trabalhador é uma mera peça de reposição”.

O estranho caso da “carta”

Bruno Martins tinha duas cartas de 2017 emitidas por médicos do trabalho diferentes; ambos o consideravam inaptos ao trabalho. Inclusive, um dos profissionais da saúde é conveniado da Metalsa e tem clínica especializada em medicina do trabalho em Campo Largo, Região Metropolitana de Curitiba.

Então perguntei: como te demitiram mesmo com a própria clínica que atende a empresa dando um parecer como esse (de inaptidão)?

Bruno respondeu com um fato nebuloso. Segundo o trabalhador, no fim de 2016, era pra ele retornar a Metalsa, mas, de acordo com um juiz do trabalho, ele precisava de uma nova reabilitação do INSS. “Essa reabilitação serve pra definir as atividades que eu estou apto a fazer depois das cirurgias e dos problemas de saúde que tive”, disse ainda que avisou a empresa desse processo em tramitação.

A verdade é que nesses encontros e desencontros com médicos, advogados, Sindicato e empresa, o INSS liberou Bruno sem reabilitação. Ele avisou a Metalsa e em janeiro deste ano foi agendado seu retorno ao trabalho sem levar em consideração o “outro processo tramitando na justiça federal. Na sentença do juiz consta a necessidade de se fazer a reabilitação do INSS”, completa o trabalhador.

A Metalsa então pediu que se fizesse mais exames, agora na clínica que atende pela empresa. Bruno foi examinado por uma médica: “ela viu meu histórico e falou que não iria me liberar para o trabalho. Ela disse que iria me dar uma carta pra eu levar ao INSS. Isso foi a médica do trabalho conveniada com a Metalsa que falou”.

Momento crucial: De acordo com Bruno, a conversa com a médica foi estranha. A profissional havia confirmado que faria uma carta de inaptidão para o INSS, porém não a entregou e pediu pra ele voltar em outro momento, pois a ‘clínica estava muito cheia’. “Pediu pra eu voltar no começo da tarde do outro dia. Ela garantiu que me daria a carta. Eu a questionei se voltava ou não pra Metalsa e ela disse pra eu ir embora”, relata o trabalhador.

O detalhe é que no outro dia Bruno recebeu uma ligação da clínica médica dizendo que estava liberado ao trabalho. Além disso, explicaram que a médica havia chegado a um acordo com a Metalsa. O trabalhador achou estranho, mas fez o que mandaram: “disseram pra eu ir até a clínica completar os exames e depois voltar ao trabalho. Foi o que eu fiz, mesmo sem entender nada”.

O ordem cronológica do “golpe” foi mais ou menos a seguinte: numa quarta-feira a médica da clínica conveniada com a Metalsa havia dito ao trabalhador que iria encaminhar uma carta ao INSS, na quinta-feira disseram que era pra ele voltar ao trabalho e na sexta-feira Bruno Martins foi demitido sumariamente.

Nas palavras do próprio Bruno:

“Você vê a sacanagem. A médica ia fazer uma carta pra eu voltar pro INSS dizendo que eu não tinha condições de trabalho, eu falei que eu precisava ir a Metalsa. A médica me explicou que ela se entenderia com a empresa e me orientou a ir buscar a carta apenas. Durante esse tempo, representantes da empresa ficavam me ligando pra perguntar se eu já havia terminado os exames. Quando eu terminei os exames, fui lá e eles me dispensaram”.

Direitos

Atualmente Bruno Martins venceu a Metalsa. Ele teve seu benefício do INSS restabelecido, o que comprova que a empresa não poderia mandá-lo embora com tais problemas de saúde. Agora o trabalhador está no aguardo da carteira do Plano da Saúde. Além disso, ele explica a importância de ter um Sindicato ao seu lado: “o Sindicato não deixa o trabalhador se sentir sozinho, todos devem procura-lo. Infelizmente as leis para os trabalhadores quase não são divulgadas”.

Para o Sindimovec, todos precisam ficar atentos, principalmente com a nova legislação trabalhista. De acordo com a entidade, hoje, a regra atual para a rescisão contratual é de que a homologação precisa ser feita em sindicatos. Porém, quando a nova legislação passar a vigorar, a partir de novembro deste ano, a homologação poderá ser feita na empresa, na presença dos advogados do empregador e do funcionário – que pode ter assistência do sindicato.

Para Almir Carvalho, assessor jurídico do Sindimovec, é importante o trabalhador procurar o sindicato pra sanar suas dúvidas, fazer denúncias, saber mais sobre direito do trabalho e outros assuntos do dia a dia. “O trabalhador não fica desemparado e recebe uma assessoria adequada. Ele vai poder tomar as medidas que ele entender como melhor. Todo e qualquer benefício oferecido pelo sindicato agrega”, explica o advogado.

Futuro: nesses últimos anos Bruno Martins passou por “poucas e boas”, porém o maior desafio será daqui pra frente: “Eu tenho alguns projetos, mas me sinto perdido. Penso: “cara, e agora?”. Sou casado, tenho dois filhos e estou com 37 anos. Não tenho experiência em outras coisas, sempre trabalhei com montagem e agora não posso mais fazer isso”.

Por fim, antes de se despedir, Bruno Martins disse que pretende fazer um curso técnico e uma faculdade. Ele explica que está no aguardo da sua carteira do plano de saúde para continuar todos os tratamentos. “No momento não estou bem, minha cabeça dói. Preciso fazer um acompanhamento, não posso ficar assim”, finaliza o trabalhador.

 

Por Regis Luís Cardoso (texto e foto).

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